Quantas mortes evitáveis serão ainda necessárias?
Por Chico Whitaker
Já está mais do que evidente, para boa parte da população do Brasil, que o número de vítimas fatais da pandemia não teria chegado a mais de 400.000, como chegamos, se o Presidente da República não tivesse usado o poder de seu cargo para confundir o povo sobre a forma de enfrentar uma doença que nos está dizimando. Ele o fez desde os primeiros dias em que ela se declarou, minimizando os seus efeitos letais, criando uma versão ideologicamente direcionada sobre sua origem, reunindo gente à sua volta para negar os riscos das aglomerações, desestimulando o uso de máscaras, propagandeando um medicamento desautorizado pela Organização Mundial de Saúde por ser inócuo contra o vírus e ter efeitos colaterais desastrosos, dificultando a compra de vacinas, recusando-se ele próprio a se vacinar. Não é preciso que a CPI da pandemia confirme a responsabilidade direta do Presidente da República nesse desastre sanitário: o simples bom senso já nos leva a tirar essa conclusão.
Por isso, frente ao aumento brutal do número de óbitos pela doença e ao riso sarcástico e cruel com que, na televisão, fala dessas mortes, cada vez mais brasileiros e brasileiras duvidam de sua sanidade mental. Um grupo de juristas acaba de pedir ao STF que encontre uma forma de afastá-lo por “incapacidade civil”. E chegam a levantar diretamente a hipótese provável de distúrbio psicopático.
Muitos estão cada vez mais indignados com a recusa dos Presidentes da Câmara – o anterior e o atual – a colocar em votação seu impeachment, apesar de terem recebido mais de uma centena de pedidos nesse sentido. E levam à Câmara novos e novos pedidos.
Há também os que se perguntam porque o Supremo Tribunal Federal não reativa processos que dormem nas gavetas do Tribunal Superior Eleitoral, para que o julgamento de crimes eleitorais comprovadamente cometidos nas eleições de 2018 levem à anulação das eleições de 2018 para Presidente e Vice Presidente e sejam convocadas novas eleições presidenciais.
Assim como há os que acham incompreensível que o Procurador Geral da República não dê seguimento a duas representações que recebeu, da Ordem dos Advogados do Brasil e do Movimento 342 Artes – constituído por personalidades de renome – imputando ao Presidente da República vários crimes previstos no Código Penal, o que obrigaria o Procurador a fazer uma denúncia ao STF e levaria, se este a aceitar e a Câmara Federal o autorizar, à abertura de um processo criminal contra o Presidente e seu afastamento do cargo por 180 dias.
Mas infelizmente lideranças e partidos políticos parecem considerar normal que os votos de grande número de deputados tenham sido literalmente comprados pelo Chefe do Executivo, tornando impossível tanto um impeachment como um processo criminal. E por isso decidiram somente desgastá-lo ao máximo, para poder derrota-lo nas eleições de 2022, mantendo-o em seu cargo, portanto, por mais um ano e sete meses.
Ora, sem seu afastamento não se conseguirá adotar uma política de enfrentamento da pandemia que vise efetivamente vencê-la, e com a urgência necessária. E como já vem se verificando em várias cidades, muitas outras verão o número de seus mortos superar o de nascimentos, e poderemos chegar ao dobro das 400.000 mortes de hoje. Seria eticamente aceitável uma estratégia política que permite que continue a ocorrer esse morticínio?
Além disso, todos sabemos que, uma vez eleito, esse execrável Presidente declarou, a quem quisesse ouvir, logo no início de seu mandato – em jantar oferecido pelo embaixador do Brasil em Washington – que sua primeira missão era destruir. E, começada a pandemia, um dos seus Ministros com mais crimes pelos quais responderá recomendou, em reunião de governo tornada pública por decisão do STF, que se aproveitasse a preocupação geral com a pandemia para “passar a boiada” – uma clara imagem do que interessa ao Presidente: tomar medidas que, em benefício do “negocio”, desmoronem estruturas e normas administrativas civilizatórias e destrua biomas essenciais para o equilíbrio ambiental do país e do mundo. Muitos estão fazendo tudo que podem para bloquear “boiadas”. Mas o que terá restado do Brasil no fim de 2022, depois de quatro anos de destruição que não se conseguiu impedir?
Enquanto isso, pesquisas recentes confirmam: grande parte da população continua mal informada e influenciada pelas mentiras que circulam nas redes sociais. E, ao não se dar conta de que um plano diabólico a está intencionalmente vitimando, aceita passivamente seu sofrimento, exacerbado pela desigualdade social, assim como a destruição do país, e continua acreditando no Presidente que elegeu em 2018. Haverá tempo para “acordar” estes nossos irmãos e irmãs, e saberemos como o conseguir? E há que considerar o apoio dado a esse Presidente por setores do “mercado“ e do empresariado nacional e internacional que colocam seus lucros acima do respeito à vida.
Muitos levantam a hipótese de que, frente ao desgaste, as tendências autoritárias do Presidente podem levá-lo a tentar um golpe de Estado para se manter a qualquer custo no poder, acionando as milícias que são parte de seu “mundo” e as Policias Militares, cujo efetivo é maior do que o das Forças Armadas. Outros consideram que ele até poderia mergulhar o país no suicídio coletivo de uma guerra civil. Este desejo já foi aliás expresso mais de uma vez por um de seus três filhos parlamentares, enquanto outro se encarrega de disseminar nas redes sociais mensagens de enfrentamento. E desde sua campanha eleitoral ele difunde o ódio político para dividir os brasileiros e, eleito, procura liberar a posse de armas e flexibilizar sua entrada no território nacional. Não foi ele que disse, em sua campanha, “fui formado para matar”? Que planos passarão de fato em sua mente doentia?
São perguntas que estamos obrigados a colocar a nós mesmos. Muitos dizem que devemos ir às ruas para protestar contra o que está acontecendo e evitar o que tende a acontecer, a exemplo do que está ocorrendo hoje em vários países. Mas teríamos coragem para nos deixarmos contaminar por um vírus mortal cuja dispersão descontrolada transformou o Brasil num “covidouro” de variantes ainda mais contagiosas e mais letais, que já ameaçam o resto do mundo?
Diante da incapacidade dos “poderosos” de derrubar as barreiras que esse Presidente ergueu para manter-se no poder e persistir na tarefa mortífera e destruidora que se atribuiu, não teria chegado a hora dos “sem poder” exigirem a criação de algo como uma comissão de salvação nacional? Apoiada numa aliança ampla e diversificada de organizações da sociedade civil e partidos políticos, não teria ela a força moral necessária para pelo menos mobilizar cidadãos e cidadãs e os recursos de que ainda dispomos num esforço de esclarecimento da população sobre a verdade da pandemia e sobre o modo eficaz de enfrenta-la? E para que o Presidente da Câmara coloque em votação o impeachment do Presidente da República ou o Procurador Geral da República o denuncie criminalmente ao STF? Assim como leve dois terços dos Deputados a votarem o impeachment ou a autorização de abertura de um processo criminal do Presidente?
O certo é que não podemos permanecer paralisados, perplexos diante do que se passa e do que pode acontecer no país. Temos que agir, para que pelo menos surja alguma esperança de que libertemos o Brasil do pesadelo que estamos vivendo – o mais urgentemente possível – antes que termine este ano de 2021.